A cidade antiga
Em muitas cidades, nos mais longínquos lugares, tenta-se, de uma forma ou de outra, conservar alguns edifícios antigos, mesmo em meio a um espaço urbano “moderno”. As igrejas, os antigos sobrados, as praças e outros exemplos, estão cravados neste espaço urbano e se misturam com outros edifícios mais novos, às vezes de maneira adequada, muitas outras de maneira inaceitável.
Os espaços natural e arquitetural da cidade, modificados consubstancialmente a partir do início deste século, sofrem o fenômeno da criação dos mitos dos bairros residenciais, transformados pela velocidade de suas construções em “bairros verticais”, monótonos e enquadrados, interferindo abruptamente na paisagem da cidade e na organização visual do espaço. A cidade, que ontem possuía uma ambiência tradicional, se depara, agora, com um novo organismo de construções modernas, onde ruas tradicionais foram alargadas, e outras foram substituídas, além de ruas que nem nos lembramos mais. Restam alguns exemplares ou espaços isolados dessas construções do ontem que formam, ainda, um organismo vivo e unitário.
O organismo da cidade antiga que vem sendo, ao longo dos anos, inteiramente emoldurado pelas “massas compactas dos bairros periféricos do século XIX e do princípio do século XX, forma um cenário urbano que é testemunho das relações sociais contínuas e agradáveis”, daí a necessidade de um tratamento mais adequado com o objetivo de evitar a sua degradação, e o interesse em sua conservação e recuperação como patrimônio social coletivo. (BENÉVOLO, 1976, p. 77).
Nesse sentido, conforme citação do professor Leonardo Benévolo (A Cidade e o Arquiteto), na cidade medieval os caracteres físicos são examinados em estreita conexão com os caracteres econômicos, sociais e administrativos, e onde “podemos captar o pleno significado da invenção urbana, que consiste em uma arte misteriosa, esquematizada e dispersa a partir da Renascença”. (BENÉVOLO, 1976, p. 16).
A conservação, portanto, dos Centros Históricos dessas cidades, tem como objetivo o de preservar os seus valores históricos-culturais, os seus estilos arquitetônicos e a sua ambiência natural, que sempre se encontram ameaçados em sua estrutura urbana pelos processos de decomposição, substituição e destruição de sua identidade, comuns na criação da cidade moderna. O professor José Américo Pessanha (UFRJ) nos relata de maneira coerente que “em nosso tempo, marcado fortemente por ideologias que exaltam um tipo de desenvolvimento e progresso predatórios, destrói-se a natureza e apagam-se os traços do passado. Com isso, por um lado, mata-se a fonte natural da vida; por outro, seca-se o manancial da consciência histórica, rouba-se do homem o apoio no passado, o referencial que o temporaliza e lhe confere plena condição humana, apenas humana”. (PESSANHA, 1987. SPHAN. Nº 38, p. 18).
Na Acrópole de Atenas, onde o pensamento e a poesia mais sublimes encontravam sua maior representação espacial, tem nos templos e nos monumentos do espaço interno, os próprios mitos do povo grego transformados em pedra, circundada por muros altos e abertos ao centro Ä o que levava Aristóteles a afirmar: “Uma cidade deve ser construída para tornar o homem ao mesmo tempo tranqüilo, seguro e feliz”. (SITTE, 1992, p. 14)
Na praça principal das cidades, as Ágoras, existiam vários edifícios como o Tersilião (onde reuniam-se os oradores políticos), a Estôa, o templo e o mercado, constituindo o centro cívico municipal e era o local onde o povo grego concentrava-se freqüentemente para ouvir os oradores, para votar as leis e para eleger os candidatos aos cargos públicos.
Em Roma antiga, alguns edifícios importantes como as Basílicas e a Cúria, formavam, juntamente com os templos, o que se chamava de “Fórum” Ä cujo maior exemplo é o Fórum Romano, onde se desenvolvia o centro cívico da cidade.
Na Itália da Idade Média e da Renascença, as praças eram consideradas os pontos principais de uma cidade, e onde ficavam as construções mais eminentes, eram, portanto, obras de construção, das festas públicas, das exibições e onde anunciavam-se as Leis: o Palácio Ducal, residência dos doges, constitui, talvez, o maior testemunho da história de Veneza. Erguido em plena Praça de San Marco, o palácio
representa um primeiro encontro com a cidade. Além da Basílica de San Marco, encontra-se, também, o majestoso campanário, o edifício mais alto da cidade, o Caffé Floriase e o Quadri (ambos, importantes locais de encontro da Cidade), o Museu Cívico Correr e o edifício do Correio Central.
Na Áustria Barroca, onde os usos das praças como átrios e das vistas em perspectivas eram comuns, as incontáveis residências principescas do século XVIII seguiam este modelo, quase sem exceções Ä a residência de Würburg e a de Zuinger, em Dresdem.