A difícil reinvenção da prática social
Diante das grandes mutações a que estão submetidas hoje as cidades, as relações sociais e a própria relação homem / natureza estarão, dentro em breve, seriamente comprometidas. É evidente que vários fatores contribuem mas, sobretudo, as mudanças nas construções das sociedades, novos modismos, descontinuidades urbanísticas e descompromissos com o futuro das cidades, dispõem para a desintegração familiar, uma das mais sérias consequências da dessocialização das cidades.
Cidades como São Paulo, Rio de Janeiro, Los Angeles e Chicago, são exemplos de intifadas urbanas, de um desenvolvimento alienado. Hoje, já assistimos a uma rotina de uma elite que se refugia em seus bunkers sendo atacada por bandidos urbanos, um incontestável poder dentro do poder estatal. A densidade populacional nessas cidades é alarmante, decorrente do êxodo das cidades menores em favor das metrópoles, que vão, inexoravelmente, se tornando inchadas e insuportáveis. E o problema, portanto, deixa de ser, necessariamente, de gosto estético para ser populacional, social e de amontoados. É uma temeridade. As intervenções para tornarem novas as cidades, para se adequarem às novas exigências urbanísticas, comprometem, irremediavelmente, a organização espacial e territorial das cidades e, muitas das novas cidades já morreram, justamente por seus aspectos de novidade, por falta de sedimentação, pela ausência de historicidade.
A cidade moderna, de constantes mutações, vive em crise. As populações circulam rápidas e atônitas em busca do ponto de chegada, esquecendo, muitas vezes, o que resta das últimas paisagens. A velocidade e a luz noturna são os seus principais elementos, enquanto o trânsito, o seu maior problema. A dessocialização das cidades é um a prática acentuada fomentada pelo verticalismo dos grandes edifícios; são ilhas de concreto desprovidas de terra, de água e de comunicação, que destroem, os espaços das ruas e das praças, ricos de sociabilidade e de densidades afetivas. O lugar, área ou pedaço, dentro de uma organização urbana reflete a sua diversidade de criação e de usos os mais diversos, públicos ou privados, eventuais ou permanentes. Estudamos sempre esses espaços à luz de uma prática social, conforme o que nos diz o sociólogo Manuel Castell, um espaço-tempo, historicamente definido, um espaço construído, praticado e articulado pelas relações sociais. Na verdade, um dos grandes problemas do homem contemporâneo em relação a sua organização espacial é a sua fragmentação nas grandes cidades. Fragmentação manifestada principalmente pela individualização crescente que leva o cidadão a enclausurar-se, cada vez mais, dentro de sua própria casa.
As ruas, os becos, os bairros e as praças tem sido nossa intenção tratá-los como lugares onde ocorreram e ainda ocorrem práticas sociais. Eles representam, mesmo de formas e conteúdos diferenciados, uma comunicação afetiva, e nos importa também o como voltar a essa comunicação afetiva, questão tão difícil em nossos tempos modernos.
Cada espaço da nossa cidade em minhas abordagens foi tratado em um tempo diferente, absoluto, muitos dos quais já bastante adulterado, como um mundo a ser vivido em algo dominado que perdeu a sua idade da inocência.
As Igrejas, que são geralmente erigidas para eternidade e que são diferenciadas mesmo dentro de uma mesma Ordem e Irmandade, encerram ainda espaços de encontros, jardins e contemplação; e as Praças Públicas, como na antiguidade, ornamentadas por belas esculturas e monumentos, o lugar por excelência do poder político e da prática social, hoje, agonizam disformes e espremidas e se escondem das máscaras arrogantes e indiferentes dos homens modernos.
O Projeto de Lei 24/2001 que criou a Área de Reestruturação Urbana (ARU) em 12 bairros da Zona Norte do Recife, limita a construção de espigões nessas áreas de uma atividade predatória de comércio rentável que aniquila o espaço natural e das práticas sociais dos seus moradores e frequentadores, apenas limita mas a atividade predatória continua.
A satisfação em erigir mais um espigão em qualquer espaço da Cidade mesmo com danos irreparáveis à sua paisagem urbana, somente exemplifica e ratifica a falta de compromissos com a evolução urbana da cidade. O Recife poderia ter crescido e evoluído amplamente de maneira ordenada, consciente e criteriosa, preservando os seus valores, os seus espaços naturais e de convivência, e a sua cultura arquitetural.
Na verdade, em muitas ocasiões, hoje, nós vivemos de saudades e de recordações.
Acho que no século 21, o homem terá que reinventar a sua relação com a Terra.