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                                           A chegada da Corte ao Rio de Janeiro                                                 

   A situação no Brasil no século XVIII, revela-nos Nelson W. Sodré, era das mais difíceis. A educação se apresentava acanhada, sem muito progresso, somente nos conventos, nos colégios e nos mosteiros é que se poderia encontrar algum conhecimento; a ciência política era desconhecida pela quase totalidade dos brasileiros; alguns poucos volumes de Voltaire e o Contrato Social de Rousseau eram as obras mais lidas e em exposição como fontes de instrução na colônia; não havia nem tipografia nem universidade, tão pouco Academias Literárias; o avanço da área feudal acentuava o declínio da mineração; a economia de exportação estava profundamente comprometida pela decadência do açúcar brasileiro em consequência da concorrência de outras áreas de produção, sendo compensada transitoriamente pela ascensão da produção de algodão, que se valeu das dificuldades enfrentadas pelos fornecedores norte-americanos devido à guerra da independência. Na verdade, a economia exportadora colonial se baseia em matérias primas – algodão, couros e peles. No exterior, a França ultima as suas relações feudais e, através da influência do período napoleônico, consolida a primazia da burguesia. Formulam, portanto, uma aliança a França, os Estados Unidos e a Inglaterra para a conquista do mercado mundial e essa conquista será liderada pelos ingleses, a nação burguesa consolidada da época. 

Antecedentes 

A transferência da corte portuguesa para o Brasil foi o episódio da história de Portugal e do Brasil em que a família real portuguesa, com a sua corte de nobres, servos e tantos outros empregados domésticos, aportou no Brasil entre 1808 e 1821, com cerca de 15.000 almas.       

O plano de transferência da família real e da corte portuguesa para o Brasil, considerado um refúgio seguro ultramarino para a soberania portuguesa, já havia sido considerado. A decisão já havia sido analisada e tomada diversas vezes por diferentes reis, ministros e conselheiros ao longo de quase três séculos. “De outra forma não se explica que tivesse havido tempo, numa terra clássica de imprevidência e morosidade, para depois do anúncio da entrada das tropas francesas no território nacional, embarcar uma corte inteira, com suas alfaias, baixelas, quadros, livros e joias”, observou o historiador Oliveira Lima.        

Por ocasião da Restauração da Independência (1640), o padre Antônio Vieira já revelara ao Conselho de Estado a possibilidade da transferência da corte.  

Em 1801, D. Pedro de Almeida Portugal, marquês de Alorna recomendou ao príncipe regente: “Vossa Alteza Real tem um grande império no Brasil.” 

Em 1803, D. Rodrigo de Sousa Coutinho, conde de Linhares, revelou ao príncipe que a sua Corte estava em perigo, e que a solução imediata seria a transferência para o Brasil”.       

A conjuntura de 1807 

a)  Em 1801, com a Europa ocupada por Napoleão Bonaparte, o antigo plano da transferência  ganhou  caráter de urgência.  Nesse ano Portugal foi invadido e derrotado por tropas espanholas com o apoio da França em um episódio a que se deu o nome de “Guerra das Laranjas”. A fuga para o Brasil fluía naturalmente dentro da Corte como uma opção viável, preenchida por inúmeras opiniões favoráveis por que: haveria de se encontrar mais riquezas naturais, farta mão-de-obra agrícola e, sobretudo, maiores condições de defesa de todo o reino.    

b)   Em agosto de 1807, reunido o Conselho de Estado no Palácio de Mafra decidiu armar uma cena bastante perigosa, diante do ultimato enviado por Napoleão: Portugal deveria declarar guerra à Inglaterra, solicitar o retorno do seu embaixador em Londres, expulsar o embaixador inglês de Lisboa e, certamente, fechar os portos aos navios londrinos. Por decisão do Conselho, Portugal faria um jogo duplo de acatar aparentemente as “ordens” de Napoleão, enquanto negociava com a Inglaterra, através do seu embaixador em Londres, a proteção da Corte durante a viagem ao Brasil.  

c)  Precisamente, em 6 de agosto de 1807, a esquadra inglesa comandada pelo almirante Sidney Smith deslizava espantosamente por sobre as águas do Rio Tejo, com um contingente de 7000 homens, com a missão de proteger o embarque da família real e conduzi-la até o Brasil. 

d)   Revela-nos o escritor Laurentino Gomes que: “convencidos de que Portugal se alinharia à Inglaterra, os governos da França e da Espanha já haviam dividido entre si o território português”. O tratado de Fontainebleau assinado entre a França e a Espanha, retalhava Portugal, deixando-o fora da aliança. O plano de Napoleão era o de aprisionar a família real portuguesa, sucedendo ao Príncipe Regente D. João de Bragança, tornando-se soberano na Península Ibérica e Senhor das suas colônias.     

Os acontecimentos                     

Em 1792, a Europa encontrava-se fervilhando envolvida em inúmeros confrontos belicosos, sobretudo a França e a Inglaterra que disputavam mercados econômicos no continente. Portugal enfraquecido, buscava uma neutralidade possível que permitisse uma sobrevida momentânea. É nesse estágio de instabilidade política com o agravamento da saúde de sua mãe, D. Maria I, que falecera a 19 de março de 1816, aos 81 anos de idade, que, então, o Príncipe Regente seu filho passara a assinar-se D. João VI, assumindo o  trono de Portugal.  

Aliado antigo do governo inglês, Portugal mantinha toda a sua atividade de comércio vinculada   aquele país, inclusive nas suas transações com o Brasil. Em 1801, a França, através do general Bonaparte, convence  a Espanha a invadir Portugal, obrigando-o a fechar os seus portos aos navios ingleses, em um episódio bélico denominado de “Guerra das Laranjas”.   Encurralado pelos interesses destes países e constantemente ameaçado, a fuga para o Brasil, com a sua grande Corte de 15000 pessoas, seria uma opção natural e inspiradora.  

Em 29 de novembro de 1807, sob a guarda da Marinha britânica, a esquadra portuguesa parte do porto de Lisboa com destino ao Brasil. Após 54 dias de mar, em 22 de janeiro de 1808, D. João aporta em Salvador, onde permanece por algumas semanas. Inúmeras foram as solenidades em homenagem ao Príncipe Regente nesta cidade acompanhadas pelo repicar incessante dos sinos das suas igrejas, durante a sua permanência. O historiador inglês Charles Boxer assegurava que “Salvador era uma cidade tipicamente portuguesa, medieval em sua falta de planejamento e no seu desordenado crescimento, formando nítido contraste com as cidades metodicamente erigidas da América espanhola”, (Gomes, Laurentino. 1808, pag. 105). 

A família real chegou ao Rio de Janeiro em 7 de março de 1808, provocando imenso burburinho na cidade para acomodar toda à comitiva. Instalou-se, primeiramente, o Príncipe Regente, no Paço dos Vice-Reis, residência onde morava o vice-rei, o conde dos Arcos. Para alojar toda essa gente, as melhores residências do Rio de Janeiro foram requisitadas e mobiliadas pelo Príncipe e, em cada fachada, pregava-se as letras “PR”, que significavam “Príncipe Regente”, mas que a população logo, logo, traduziu como “ponha-se na rua”. Em pouco tempo, sob às ordens do conde, chegavam das províncias vizinhas alimentos e provisões em grande quantidade para suprir as necessidades de toda a corte, que chegava ao Rio falida, cansada e mal alimentada pela longa viagem.     

Não demorou muito e todas as boas residências do Rio de Janeiro estavam tomadas pelas famílias da Corte. Toda essa gente nativa “expulsa” foi forçada a se deslocar para a periferia da cidade, criando e alargando os seus subúrbios onde existia uma  população mais pobre que se refugiava para cultuar as religiões africanas.  Curiosamente, inúmeros estrangeiros viajantes comentaram sobre a situação em que se encontravam e o que intencionavam os membros da comitiva em relação à colônia, também, os vários hábitos e costumes presenciados. O historiador John Armitage, por exemplo, afirmava que “os novos hóspedes pouco se interessavam pela prosperidade do Brasil. Consideravam temporária a sua ausência de Portugal e propunham-se mais a enriquecer-se à custa do Estado do que a administrar justiça ou a beneficiar o público”. O viajante alemão Ernest Ebel reclamava: “O barulho é incessante”, descrevendo a algazarra dos escravos nas ruas transportando mercadorias. “Uma chusma de negros seminus cada qual levando à cabeça seu saco de café, e conduzidos à frente por um que dança e canta ao ritmo de um chocalho, ou batendo dois ferros na cadência de monótonas estrofes a que todos fazem eco”. Thomas O´Neill, tenente da Marinha britânica que acompanhou  a Corte ao Brasil, admirou-se com o número de barbearias e os seus usos regulares. Dizia ele, “As barbearias são aqui bastante  singulares. O símbolo dessas lojas é uma bacia. E o profissional que aí trabalha acumula três profissões: dentista, cirurgião e barbeiro”, (G,L. 1818, pag. 150). 

Após a assinatura da carta régia de abertura dos portos do Brasil, em 28 de janeiro de 1808, franqueavam-se os portos da Colônia ao intercâmbio internacional. Assim, seus portos, até então restritos somente aos navios de Portugal estavam, agora, autorizados a receber embarcações de outros países.  Na verdade, o recém aberto mercado brasileiro tornou-se um alvo jamais “recebido” pelos ingleses, transformando o Brasil em parte de uma estratégia comercial que se estendia por todo o continente.  

Aportado no Rio de Janeiro e instalado no Palácio dos vice-reis, D. João preparou-se para governar escolhendo um Ministério e agilizando o funcionamento dos órgãos administrativos. Revogou o decreto de 1785, que impedia a existência de indústrias no Brasil, libertando o País do monopólio português e integrando-o ao sistema internacional de produção e comércio exterior. Diante de tais ações a Colônia começa a respirar ares de desenvolvimento. Inúmeras foram as indústrias e fábricas que se instalaram em território brasileiro. Novas estradas abertas, até então proibidas devido ao contrabando de ouro e pedras preciosas, e a navegação a vapor que proporcionaram ao País uma maior facilidade de comunicação e a diminuição de distâncias entre as províncias.  

Embora não fosse um homem de cultura, D. João ampliou consideravelmente o ensino básico e superior na Colônia, antes restrito aos religiosos em seus colégios, conventos e mosteiros. Criou, ainda, uma escola superior de Medicina, escolas de técnicas agrícolas, laboratórios de análises químicas, o Conselho Militar e de Justiça, a Academia Real Militar, o Banco do Brasil, a Biblioteca Nacional, o Museu Nacional, o Jardim Botânico e tantos outros empreendimentos.   Ainda durante a viagem para a Colônia trouxe em sua bagagem a primeira tipografia que começou, em 13 de maio de 1808, a imprimir os livros científicos, os literários e um jornal, A Gazeta do Rio de Janeiro, que somente imprimia notícias favoráveis ao governo. Um outro jornal foi, O Correio Brasiliense, lançado em 1 de junho de 1808, em Londres, cidade onde se escondeu Hipólito José da Costa, foragido da inquisição portuguesa, que circulou até dezembro de 1822. Considerava Hipólito a imprensa livre “um dos órgãos mais eficazes para a educação e o desenvolvimento dos povos”. Costumava empenhar-se com toda a eloquência, de que era capaz, em defender a integridade da monarquia portuguesa. Mas, a instalação da Corte e do Governo foi, porém, uma maquiagem mal digerida (diante dos fatos) pela população do País, apesar das medidas desenvolvimentistas. O acirramento das relações  entre brasileiros e portugueses nasceria em decorrência desses episódios, com todas as suas implicações de ódio e de tomada de consciência nacional.       

Preocupado com a ausência de cultura e erudição em uma população desabituada com esses refinamentos tomou a iniciativa de contratar, em Paris, através do conde da Barca, Antônio de Araújo e Azevedo, a Missão Artística Francesa, que chegou ao Rio de Janeiro em 1816. Sobre a Missão, o professor Mário Barata nos revela que: “um fato histórico de importância pelo seu caráter revelador das condições de civilização em um país da América Ibérica e pelas consequências que teve na aceleração das transformações do nível artístico do Brasil, foi a vinda de artistas e artífices, exilados bonapartistas, para o Brasil, bem aceita pelo regente Dom João e seu ministro o conde da Barca, este último um amador esclarecido e sensível  dos valores artísticos”.(Barata, Mário. O século XIX. Transição e início do século XX, 1983).  Chefiados por Joaquim Lebreton, Secretário da classe de Belas-Artes do Instituto de França, era composta de muitos artistas renomados da época, como  Nicolas-Antoine Taunay, pintor de paisagens e de batalhas; Jean Baptiste Debret, pintor de história; o arquiteto Auguste Henri Victor Grandjean de Montigny; o escultor Auguste Marie Taunay; o gravador Charles Simon Pradier; o compositor Sigismund Neukom; e ainda inúmeros artífices e ajudantes, como professor de mecânica François Ovide; o serralheiro Nicolas Magliori Enout; o ferreiro Jean Baptiste Level; os curtidores Pilité e Fabre; os carpinteiros Louis Joseph e Hippolyte Roy e o comerciante Pierre Dilon, Secretário de Lebreton. Inicialmente deveriam permanecer na Colônia  por longos seis anos e criar uma Academia de Ciências e Artes no Brasil. Mas, durante a sua existência foram grandes as dificuldades encontradas pelos franceses, mesmo tendo deixado na cidade do Rio de Janeiro inúmeras obras fruto das grandes celebrações da monarquia. Em 1817, a Missão sofre um duro golpe com a morte do seu inspirador, o conde da Barca, e em 1819, morreria Lebreton, sendo substituído pelo pintor português Henrique José da Silva, que se tornou o Diretor da Academia, ignorando os franceses e favorecendo os seus compatriotas portugueses, e até mesmo alguns brasileiros.     

Nicolas Antoine Taunay nasceu em Paris em 1755. De muito cedo começou a estudar pintura e é desse tempo os estudos de paisagens executados ao ar livre nas florestas de Saint-Germain, Fontainebleau e Compiègne. Também bastante  interessado na composição da figura humana, realizou uma série de obras onde povoava com figuras humanas as cenas do natural que pintava. Em 1776, viaja à Suíça e, em seguida, a Paris, onde participa do Salão da Juventude. Em 1784, é admitido membro da Academia de Paris, passando a expor no Salão parisiense até 1814. Membro do Instituto de França, Taunay ilustrou, em 1801, Os Litigantes, de Racine e, entre 1806 e 1807, trabalhou para a Manufatura de Sèvres. Na era napoleônica, teve uma produção bastante intensa, sendo convidado como pintor de batalhas. No Brasil, onde viveu até 1821, pintou temas bíblicos, mitológicos e históricos e inúmeros e belos retratos infantis. No Rio de Janeiro, a sua cidade preferida dos trópicos, vivia a descobrir novas paisagens que lhe fixassem a atenção, coloridas e com uma atmosfera vibrante e diversa, pintou  inúmeras delas.  Um dos seus mais belos trabalhos é “A pregação de São João Batista”, em meio a uma paisagem brasileira, datado de 1818, que pertence a Prefeitura de Nice, e que teria sido oferecido ao Rei Luís XVIII. Taunay faleceu em Paris em 1830, tendo deixado no Brasil seu filho, também pintor, Félix-Émile Taunay. 

Félix-Émile Taunay nasceu em Montmorency, em 1795, e aos 21 anos chegou ao Brasil em companhia do seu pai, de quem seria aluno e, mais tarde, o substituiu como professor na Academia, lecionando até 1851. Enquanto Diretor desta Academia criou, em 1840, a Exposição Geral Anual de Belas Artes, o prêmio de viagem ao estrangeiro e, também, uma pequena pinacoteca com os trabalhos trazidos por Lebreton, da França. Ainda como profissional, tornou-se professor de Desenho de Pedro II, quando criança, contribuindo e despertando, assim, em seu futuro o amor pelas artes. 

Félix-Émile pintou as paisagens do Rio, realizou diversas pinturas históricas e inúmeros retratos. Destacamos: A vista da Mãe ´d’Água, Mata reduzida a carvão e A morte de Turenne, todos pertencentes ao Museu Nacional de Belas Artes; e a Paisagem da Tijuca, no Museu de Arte de São Paulo, vindo a falecer em 1881.      

Ainda como membros da família Taunay, citamos Adrien-Aimé Taunay, último dos seus seis filhos, desenhista, e Auguste-Marie Taunay, irmão e escultor, que atuaram na Academia no Rio de Janeiro, entre 1821 e 1825, e 1821 e 1824, respectivamente. 

Jean - Baptiste Debret foi o mais renomado artista da Missão Francesa e quem melhor retratou os hábitos e costumes do Rio de Janeiro naquela época. Nascido em Paris, em 1768, desde muito cedo admirava as obras de Louis David, de quem tornou-se discípulo. Em 1785, matriculou-se na Academia de Belas Artes de Paris, tendo conquistado alguns prêmios inclusive no exterior, na cidade de Roma. Em 1789, matriculou-se no Curso de Engenharia Civil da Escola de Pontes e Calçadas e, depois, na Escola Politécnica, tornando-se professor de desenho. Dedicou-se por muito tempo a pintar grandes telas de assuntos napoleônicos, todos encomendas oficiais. Mais tarde, com a queda do Imperador e com a morte de seu único filho, Debret resolveu viajar para longe, para a Rússia, acompanhando Grandjean de Montigny, mas por influência de Lebreton, aportaram no Brasil, em 26 de março de 1816, vivendo no país por longos quinze anos até 1831, quando voltou a Paris.               

Debret no Brasil foi um artista incansável pintando as paisagens, os arredores, as festas populares e inúmeras cenas de trabalho escravo no Rio de Janeiro e os rituais que envolviam a corte de D. João. As suas imagens sobre a família real procuravam lembrar a sofisticação das cortes europeias, com os seus encontros, banquetes e ritos em suntuosos palácios. Realizou interessantes trabalhos cenográficos para o Teatro São João e teve participação ativa na decoração e ornamentação das festas cívicas da cidade, sobretudo com a da aclamação de D. João VI como rei de Portugal, Brasil e Algarve, em 6 de fevereiro de 1818.         Indubitavelmente, a música era a manifestação artística preferida e acolhida pela corte portuguesa no Rio de Janeiro e esta cidade, certamente, não poderia ser comparada a Paris, ou Londres, ou a Bruxelas, mas os novos hábitos e rituais trazidos pela corte mudaram rapidamente o comportamento dos seus habitantes. Mas Debret continuou pintando e ensinando a pintar.          

Em dezembro de 1829, Debret inaugura a primeira exposição pública de pintura no Brasil, na Imperial Academia, com 115 trabalhos expostos entre mestres e alunos e uma segunda exposição em 1830 e, no ano seguinte, retorna a Paris.  Talvez, a sua maior obra teria sido a “Viagem Pitoresca e Histórica ao Brasil”, publicada por Firmin Didot Frères, em três capítulos, em 1834, em Paris. No primeiro, Debret retrata os indígenas brasileiros com 36 ilustrações; no segundo, descreve a sociedade do Rio de Janeiro da época com 48 ilustrações; e no terceiro,  traz uma revelação dos seus quadros, desenhos de insígnias, paisagens inéditas do Rio de Janeiro e retratos imperiais. Inúmeros desses desenhos e estampas originais encontram-se, ainda hoje, na Fundação Castro Maya, no Rio de Janeiro, formando um valioso conjunto documentário que retrata a sociedade da Capital no início do século XIX.   Em 1848, faleceu Debret, em Paris. 

O arquiteto Grandjean de Montign foi outro artista notável que aportou no Rio de Janeiro por ocasião da Missão Francesa. Nasceu em 1776, em Paris e estudou Arquitetura na Escola de Belas Artes desta cidade, sendo aluno dos arquitetos Charles Percier e Pierre Fontaine, renomados profissionais da época. Trabalhou em Roma no ano de 1801, realizando obras de restauração e de paisagismo na Villa Medici. Em 1808, de volta a Paris, é convidado para trabalhar em Vestfália – um estado satélite do Império Francês governado por Jerônimo Bonaparte (irmão de Napoleão), de 1807 a 1813. De volta a Paris mais uma vez, é indicado pelos seus antigos professores para trabalhar na Corte do Czar Alexandre I da Rússia, um dos responsáveis pela queda do Império Napoleônico. Todavia, concomitantemente, surge a oportunidade de partir para o Brasil, sendo esta a sua escolha. Em 1816, Grandjean chega ao Rio de Janeiro acompanhado de toda a família, sua esposa, quatro filhas, dois discípulos e uma criada. Por solicitação do Conde da Barca – o ministro das Relações Exteriores, Antônio de Araújo e Azevedo, realiza o seu primeiro trabalho na colônia, o projeto do edifício da Academia de Belas Artes, paralisado no ano seguinte pela morte do Conde. Logo depois, outros projetos, oficiais e particulares, são realizados, como: o edifício da Praça do Comércio (já demolido), o salão da Alfândega, o Mercado da Candelária e inúmeras residências. Em 1818, por ocasião da coroação de D. João VI, realiza junto com Debret e Auguste Taunay, obras de decoração na cidade. Em 1823, retoma as obras do edifício da Academia com a participação de Marc e Zéphirin Ferrez, que elaboraram os baixos-relevos da sua ornamentação, sendo concluído em 1826. Em 1829, teve uma ativa participação na exposição realizada por Debret juntamente com os seus discípulos, apresentando vários  desenhos e projetos. Lamentavelmente, o edifício foi  demolido em 1837, tendo o IPHAN removido o seu pórtico e aproveitado na entrada do Jardim Botânico do Rio de Janeiro. Grandjean trabalhou intensamente no Rio de Janeiro desde a sua chegada em 1816, até a sua morte em 1850, realizando projetos de arquitetura e urbanismo, dentre os quais citamos: a Escola Real das Ciências, Artes e Ofícios; a Praça do Comércio; o primeiro Mercado do Rio de Janeiro; a adequação do Seminário de São Joaquim para nele se instalar o Colégio Pedro II; dois teatros, o primeiro no Largo do Rocio (atual Praça Tiradentes), e o segundo na Rua São Francisco de Paula (atual Rua do Teatro); a sua própria residência situada na Gávea, hoje pertencente à Universidade Católica do Rio de Janeiro e inúmeros outros edifícios particulares. No urbanismo, também foi notável a sua participação, como o projeto do Largo do Valongo (hoje Praça Municipal), a abertura de ruas, largos, praças, paisagismo (Campo de Santana) e inúmeros planos de urbanização na cidade. Grandjean veio a falecer em 1850 no Rio de Janeiro, deixando um admirável acervo entre croquis, desenhos e estampas catalogados no Museu Nacional de Belas Artes. 

Os irmãos Marc e Zéphirin Ferrez nasceram em Saint-Laurent e, mais tarde, matricularam-se na Escola de Belas Artes de Paris. Chegaram ao Brasil em 1817 e, no ano seguinte, já estavam participando das festividades da coroação de D. João VI com trabalhos de esculturas, gravação de medalhas e ornamentações em edifícios. Somente em 1820 se incorporaram oficialmente na Academia de Belas-Artes, onde lecionavam escultura e gravação em metais. Marc Ferrez executou inúmeras esculturas no País, sobretudo os bustos como o de D. Pedro I, que integra o acervo do Museu de Belas- Artes, enquanto Zéphirin dedicou-se à gravação de medalhas. 

Uma avaliação da Missão 

Alguns críticos e defensores da Missão Francesa de 1816 afirmavam que a arte e a arquitetura brasileiras encontravam-se em processo de estagnação, quase paralisada em suas realizações ou em decadência. Não é verdade. Desde o século XVII, com a presença da comitiva do príncipe Maurício de Nassau, repleta de bons artistas, como os pintores Frans Post e Albert Eckhout e o arquiteto Peter Post, em Pernambuco, que estes artistas já produziam excelentes obras de paisagens, de tipos e aspectos da região nordeste (habitantes, fauna e flora)e de arquitetura palaciana. Também a temática religiosa sempre esteve presente (nos séculos XVI e XVII) com os artistas e arquitetos das Ordens Religiosas, como o irmão jesuíta Francisco Dias (Catedral de Salvador e o Colégio Jesuíta de Olinda), o beneditino frei Macário de São João (Mosteiro de São Bento de Salvador e o Santuário de Nossa Senhora dos Prazeres dos Montes Guararapes em Pernambuco), o franciscano frei Francisco dos Santos (Conventos franciscanos de Nossa Senhora das Neves – Olinda e o de Santo Antônio de João Pessoa), o beneditino frei Agostinho da Piedade (Escultor e modelador), e o arquiteto e mestre-de-campo Antônio Fernandes de Matos (Capela da Ordem Terceira do Convento de São Francisco, Recife), que projetaram e ornamentaram estes edifícios do início da arte barroca do Nordeste.           Depois, no século XVIII, com o desenvolvimento do estilo, com os artistas: o jesuíta Gabriel Ribeiro (Edifício da Santa Casa de Salvador, a Igreja e Convento de São Francisco e o Paço ou Solar do Saldanha, em Salvador), o escultor baiano Manuel Inácio da Costa (esculturas da Igreja de São Francisco de Salvador), o arquiteto Francisco Frias de  Mesquita (Mosteiro de São Bento do Rio de Janeiro), o frei beneditino Domingos da Conceição da Silva (esculturas e talha do referido Mosteiro), o engenheiro Manuel Cardoso de Saldanha (Igreja de Nossa Senhora da Conceição da Praia, Salvador), o pintor José Joaquim da Rocha (autor do teto da nave desta Igreja), o arquiteto e mestre-pedreiro Manuel Ferreira Jácome (Igreja de São Pedro dos Clérigos, Recife), o pintor João de Deus Sepúlveda (autor do teto desta Igreja), o arquiteto Francisco Nunes Soares (Igreja do Mosteiro de São Bento, Olinda e a Capela de Nossa Senhora  da Conceição do Parque das Jaqueiras, Recife), e tantos outros que se destacaram nesse século.                                                                                                                                                          Viviam ainda no século XIX muitos artistas brasileiros notáveis, como Antônio Francisco Lisboa, o Aleijadinho, (Igreja de São Francisco de Assis de Ouro Preto), o pintor Manuel da Costa Ataíde (autor do teto desta Igreja), o escultor baiano Manuel Inácio da Costa ( esculturas de São Pedro de Alcântara e Senhor do Bom Caminho, para a Igreja de São Francisco e Igreja do Pilar, Salvador), os pintores baianos Franco Velasco e José Teófilo de Jesus, e muitos outros artistas.                                                                                                                                                          A importância da Missão Francesa pesou mais pelo valor pessoal de alguns dos seus membros do que pelos métodos de ensino aplicados, o que eles chamavam de “ensino artístico com uma orientação pedagógica”. Comenta-se que nem em termos de estilo os ideais neoclássicos da Missão não se constituíram em novidade, pois alguns artistas do País já praticavam o neoclassicismo. Na verdade, a Missão Francesa provocou uma forte reação dos artistas brasileiros e lusitanos por se sentirem preteridos diante da imposição da corte em obrigar ao povo a aceitar o gosto dos franceses e toda a sua produção. A instalação da corte e do governo mostrou-se, porém, o reverso da medalha das ações desenvolvimentistas. Conforme Aristheu Achilles,“o acirramento das relações entre portugueses e brasileiros nascera daí, com todas as suas implicações de ódio e tomada de consciência nacional ou nativista, como se costumava dizer na época”, (Achilles, Aristheu. 1973,p.89). A causa do repúdio nacional às novas ideias artísticas francesas pode ser explicada pelo questionamento do povo: ensinar artes a quem? Todos respondiam, portanto: aos fidalgos, à corte, ao Rei. Por que desprezar os nossos artistas, eles que eram, até pouco tempo, os autores dos riscos das igrejas, dos edifícios públicos e das moradias, antes da Missão chegar? Ocorria, na verdade, inúmeros questionamentos e pedidos para a melhoria da cidade, sobretudo quanto ao estado sanitário, tendo em vista o aumento de doenças que se proliferavam por todos os recantos. 

A reação do sentimento nativista criou uma barreira entre a população da cidade e a corte com os seus fidalgos e admiradores, a ponto de se estranhar na rua o novo edifício da Academia das Artes, criado por Grandjean, causando entre os seus habitantes mais incomodo do que admiração. Na verdade, o que pretendeu D. João com a Corte e com a Missão Francesa foi tentar imitar o brilho e a sofisticação das cortes europeias, trazendo à colônia novos hábitos, costumes e uma nova aparência luxuosa e enganadora. Com o arquiteto Grandjean de Montigny à frente do movimento, a Missão de 1816 solidificou o estilo Neoclássico trazido pela corte. Esse estilo, porém, não seria totalmente inédito no País, pois o arquiteto italiano Antônio José Landi, em Belém do Pará, mesmo antes da Missão, já projetava alguns edifícios neoclássicos. A presença da corte no Rio de Janeiro, além de transformar a cidade na capital administrativa do País e no centro das decisões políticas, contribuiu, largamente, para torná-la um centro irradiador de novas correntes estilísticas e de comportamento. 

Edit by CarlosDantas

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