top of page

                      Algumas curiosidades sobre a viagem do Descobrimento 2                                  

Na nau capitânia, um personagem da maior importância era o notário, contabilista e despenseiro Afonso Furtado, o homem das chaves das escotilhas do navio e quem distribuía todos os mantimentos absolutamente iguais à tripulação: 15 quilos de carne salgada por mês, vinagre, azeite e cebola. Na sexta-feira Santa receberam peixe, arroz e queijo. O vinho e a água, como complementos, eram fornecidos diariamente em pequenas quantidades, assim como os biscoitos salgados confeccionados em Lisboa. O vinagre também era utilizado para limpar os imundos porões e para combater o escorbuto – doença provocada pela carência de vitamina c no organismo – que atormentava os marinheiros daqueles séculos.

A frota que havia deixado Lisboa em 9 de março seguindo um rumo sul-sudoeste, passa pelas Ilhas da Madeira, depois as Canárias (em 14 de março) e segue em direção ao arquipélago de Cabo Verde. Em 23 de março (segunda-feira), surge a primeira tragédia: a nau comandada por Vasco de Ataíde afundou com todos os seus tripulantes. Inúmeras buscas são realizadas sem sucesso, e a armada segue viagem.

No entardecer avermelhado de Corumbau, em 22 de abril de 1500, a expedição de Cabral é contemplada com a vista do Monte Pascoal e ancora a 36 quilômetros da costa, depois de 44 dias de viagem. Na manhã do dia 23, ocorre o segundo ancoradouro mais perto do litoral e o primeiro encontro entre os portugueses e os nativos (por ordem de Cabral, o lendário navegador Nicolau Coelho travou o primeiro encontro com os Tupiniquim, pertencentes à família Tupi-Guarani, ancorando na praia). Em seguida, a uma velocidade de três nós, a frota avançou ao longo da costa, admirando as grandes barreiras vermelhas das falésias e a natureza exuberante de Caraíba, Trancoso e Porto Seguro, cortadas por rios de águas claras, como os rios da Barra e Buranhén, que desaguam nas primeiras praias do Brasil. Percorrendo cerca de 10 léguas de costa (em torno de 65 km), as caravelas ancoraram na foz do Rio Mutari, próximo ao recife da Coroa Vermelha, em Santa Cruz de Cabrália, a 12 km da praia e a uma profundidade de aproximadamente 23m. No dia 26 de abril, além de encherem de água os seus tonéis, os portugueses avistaram as primeiras mulheres nativas, todas nuas com as suas vergonhas expostas. Neste dia de domingo, o comandante Cabral ergueu a bandeira da Ordem de Cristo e mandou rezar a primeira missa no novo território, sob os olhares curiosos dos nativos. À tarde, um novo encontro, agora festivo, com músicas e danças, em plena praia, sempre com a troca de alguns “presentes”, tudo muito bem registrado por Pero Vaz Caminha. O dia 27 foi marcado pela surpresa dos lusos em relação às nossas aves – araras e papagaios – trazidas e oferecidas pelos nativos, bem como pela presença dos primeiros degredados e assassinos – embarcados na armada – em terra firme que, em companhia do capitão Diogo Dias, deveriam caminhar até a aldeia, uma espécie de reconhecimento desta moradia. No dia seguinte, os portugueses promoveram uma considerável derrubada de árvores – inclusive o pau-brasil – abastecendo as suas naus. Em primeiro de maio, os portugueses ergueram a primeira cruz em terras brasileiras, em meio a uma grande procissão entre cânticos, marinheiros e nativos, e rezaram a segunda missa no Brasil.

Ali seriam deixados – juntos aos índios - alguns daqueles degredados embarcados na armada e inúmeros desertores. Conforme o excelente Eduardo Bueno, a cruz erguida “foi um símbolo de devoção daqueles navegantes à fé cristã e à Ordem de Cristo”, marcando a posse da nova terra portuguesa denominada por Cabral de Ilha de Vera Cruz. No dia 2 de maio, um sábado pela manhã, a expedição parte para a Índia enquanto a nau de Gaspar de Lemos regressaria a Portugal contendo as cartas, os presentes e todas as amostras recolhidas do local para anunciar a descoberta ao rei D. Manuel.

Aos 26 de julho, a frota alcança a cidade de Quiloa (Tanzânia), terra do poderoso rei Ibrahim, de Sofala e, no dia 2 de agosto, chega a Melinde. No dia 7, partem para Calicute, aportando em 13 de setembro, o destino final da esquadra cabralina. Depois de serem recebidos pelo Samorim e ofertar-lhe inúmeros presentes em ouro e prata, Cabral consegue permissão para fundar uma feitoria no porto da cidade. Pouco tempo depois, esta feitoria é atacada por um exército de árabes e hindus matando numerosos portugueses, membros da sua tripulação.

Em janeiro de 1501, com os navios carregados de especiarias, Cabral parte de volta rumo a Lisboa. Na viagem de volta, ainda perde a nau de Sancho Tovar encalhada em um banco de areia. Esta nau, impossibilitada de seguir viagem, é incendiada por ordem do comandante. Finalmente, somente retorna a Portugal em 21 de julho de 1501, com a sua frota reduzida a cinco navios, sendo recebido pelo rei no palácio de Santarém. Deste encontro, após a conferência minuciosa das especiarias trazidas, D. Manuel anuncia a composição de uma nova armada, intitulada de “Esquadra da Vingança” – com o objetivo de desfechar um ataque contra Calicute – convidando Cabral para dela participar na qualidade de subcomandante, convite este não aceito pelo navegador. Este seria, talvez, o motivo de nunca mais retornar à corte de Lisboa, refugiando-se em uma pequena propriedade em Santarém, falecendo esquecido por volta de 1520.

Cabral não conseguiu êxito em Sofala nem apoio diplomático em Calicute, tão pouco despertou no rei a ambição pelas terras descobertas, talvez porque as cartas ou mapas da época já traziam informações da existência de inúmeras ilhas a oeste dos Açores e da Madeira e, portanto, àquela seria um ponto de ancoragem ou de intervalo no meio da jornada para a Índia. A armada de Cabral, constituída para estabelecer definitivamente o domínio marítimo português no Oceano Índico, teria fracassado inteiramente.

Edit by CarlosDantas

  • Twitter Classic
  • Facebook Classic
bottom of page