Os centros urbanos degradados
Em muitas cidades que tiveram um crescimento vertiginoso em outras épocas e que se encontram, hoje, semiesquecidas ou abandonadas, tentam-se discutir sob alguns olhares e tendências a recuperação do seu patrimônio cultural, não somente do ponto de vista turístico, mas, sobretudo, do resgate da sua história. E se faz necessário, portanto, ressaltar, nesse contexto, primordialmente, os seus habitantes que ainda convivem com os seus lugares, recantos e becos, pátios e ruas tortuosas, aqueles que participam da vida diária da cidade.
A degradação dos centros urbanos passa, indubitavelmente, pela complexidade dos aspectos e diferenças sociais. Ali, a qualidade de vida tornou-se ruim e os seus aspectos desvalorizados, quase sempre ocupados por uma população de baixa renda, que não pode transitar em todos os lugares da cidade. Na verdade, a cidade foi concebida com um plano para contínuas mudanças, necessidades de crescimento e readaptação, emergindo de uma ordem complexa.
A agonia das cidades antigas tem sido um processo lento de decadência urbana que acentua, sobremaneira, o grande contraste entre a primeira cidade e a nova que vem surgindo, gradativamente. Algumas cidades, porém, resistem e atravessam, com sua longa tradição, a exemplo de Veneza e Florença - que encerram os componentes ideais da estrutura urbana medieval - esse processo de decadência urbana. Mas, estas cidades estão longe e longe é a nossa realidade em relação ao mundo europeu.
O bairro do Recife, que sofreu no início do século XX as primeiras transformações em busca de um “progresso para cidade”, quando teve inúmeras edificações demolidas como a Igreja do Corpo Santo, o Forte do Picão, os arcos de Santo Antônio e da Conceição e tantas outras, recebeu (nessas duas décadas) um projeto de revitalização permeado de controvérsias que, além de ter as suas edificações maquiadas e enfeitadas carnavalescamente priorizando divulgar a imagem turística da cidade, determinou “um espaço de vida e estar fictício, que começa e termina no horário do expediente comercial”, conforme revela a arquiteta equatoriana Dora Arizaga. O pátio de São Pedro, palco de manifestações e ritos populares da cidade sofreu, também, um processo de restauro apressado e disforme, desviando-se, largamente, da sua ambiência natural e popular. Nota-se, aos poucos, melancolicamente, que os seus transeuntes e freqüentadores vão perdendo os seus elementos de identidade.
A cidade de Olinda, por exemplo, que se debruça diariamente com uma série de adulterações e de desequilíbrios, ressente-se das más administrações municipais, dos improvisos e dos riscos permanentes. Tem, constantemente, a sua paisagem e cobertura vegetal agredida e modificada, o que contribui, sobremaneira, para o inexorável caminho possível de sua destruição. Na verdade, a cidade precisa de ser administrada por alguém que a conheça – conheça a sua história, os seus problemas, os seus ritos e o seu patrimônio.
Em nosso país é visível o descaso e o desconforto com a área social, mas é um absurdo inexplicável a insipiência, a leviandade, o esquecimento e os improvisos com o nosso patrimônio cultural. Precisamos modificar, urgentemente, esses conceitos e convivências.
Embora ocorram episódicos programas de proteção em algumas cidades brasileiras, o que constatamos, na verdade, é uma total ausência de um plano ou projeto, a nível nacional, de preservação do nosso patrimônio cultural.