Circuito dos Engenhos: uma viagem às terras doces de Pernambuco
Origem da Cana.
A cana de açúcar é, de longe, a espécie vegetal sociabilizada pelo homem que mais relacionamentos legou à história da humanidade. Originária do Sudeste asiático, certamente da Índia, das terras de Bengala, a cana-de-açúcar alcançou as antigas terras do Crescente Fértil e depois, transportada pelos conquistadores árabes mundo afora, chegou às costas do Mediterrâneo. Uma outra corrente admite a sua origem natural do sul do Pacífico, da ilha de Papua, da Nova Guiné e da Indonésia, onde já era conhecida há cerca de 12 mil anos. O certo é que ao chegar às costas do Mediterrâneo, os árabes levaram-na a Gênova, a Veneza, à Sicília e à Espaha. Em Portugal, a sua cultura teve início com o reinado de D. João I, (o Mestre de Aviz) em 1404, no Algarve, sendo levada, mais tarde, pelo Infante D. Henrique à Ilha da Madeira e, em seguida, para o Brasil, nas primeiras décadas dos quinhentos. Mesmo fazendo parte da paisagem pernambucana desde o início do século XVI, oficialmente foi com o navegador Martim Afonso de Souza, em 1532, que a cana-de-açúcar foi introduzida no país, na capitania de São Vicente, quando da instalação do primeiro engenho de açúcar, chamado de “ engenho dos Armadores”, depois de “São José dos Erasmos”.
A Capitania de Pernambuco
Durante as três primeiras décadas do século XVI, não houve de parte do Reino de Portugal uma atenção maior e efetiva às terras descobertas. Portugal dedicava-se, na verdade, a conquistar e explorar o Oriente. Seu maior interesse eram as possessões das Índias e eram os franceses, por outro lado, os maiores frequentadores do litoral brasileiro, utilizando intensamente o escambo, tendo como alvo o pau-brasil, o produto da indústria de extração.
Coube a D. João III (1502-1557, Rei de Portugal, implantar o sistema de capitanias hereditárias no Brasil, entregando a Duarte Coelho a Carta Régia de Doação, em 10 de março de 1534, concedendo-lhe o direito e usufruto das novas terras: o território da capitania de Pernambuco estendia-se de Itamaracá à foz do rio São Francisco, incluindo as ilhas e as terras da margem esquerda, até a sua nascente, na serra da Canastra, nas Minas Gerais. Ao mesmo tempo das capitanias hereditárias, implantava-se o sistema de sesmarias, um atrativo muito utilizado por Portugal com o objetivo de dispor de recursos humanos e financeiros para colonizar o Brasil. Nos séculos XVI e XVII nós vamos encontrar, então, grandes sesmarias, com o intuito de explorar as terras e ocupá-las definitivamente, transformando-as em uma imensa região de cultivo. Na verdade, o português trouxe para o Brasil o curral (com o boi, bode, carneiro, galinha, ganso, pato, pombo, porco e o cão, o animal mais disputado pelos índios); o pomar (com a cidra, figo, laranja, limão,lima, maçã, melancia, melão, pêra, uva e romã); e a horta (com a acelga, agrião, alface, berinjela, cenoura, couve, espinafre,hortelã, manjericão, mostarda, nabo, salsa e pepino).
Em 1551, existiam 05 engenhos moentes e correntes na capitania: o primeiro era o engenho do Salvador, situado nas várzeas do Beberibe e instalado pelo Donatário
Duarte Coelho; o segundo pertencia a Jerônimo de Albuquerque, ficava junto ao rio Beberibe e se chamava de Nossa Senhora da Ajuda – com o desaparecimento do engenho, o lugar passou a ser conhecido como “forno de cal”, por conta da extração e manuseio de tal material para a construção; do terceiro era dono Afonso Gonçalves e ficava em Igarassu (conforme narrativa do Frei Vicente do Salvador em sua História); o quarto seria o de Santiago, nas margens do rio Camaragibe, e de Diogo Fernandes, (Cristão- novo e marido de Branca Dias), logo este foi destruído pelos indígenas em 1553; o último ficava em Jaguaribe e tinha por orago Santo Antônio e foi construído pelo português Vasco Fernandes de Lucena, o construtor da Matriz do Salvador – a Sé de Olinda. A capitania duartina desenvolveu-se em larga escala, tendo um solo especial, uma terra avermelhada ou arroxicada, era o solo massapê.
O Senhor de Engenho.
Grande parte dos colonos que chegou em Pernambuco, no século XVI, eram oriundos do norte de Portugal, região onde predominavam as pequenas propriedades rurais. Os altos custos de construção e manutenção dos engenhos impossibilitavam, em muitas casos, os pequenos agricultores de possuirem ou realizarem tais empreendimentos, daí muitos engenhos de Pernambuco dependerem de outros estabelecimento para fornecerem matéria prima.
No processo de produção do açúcar, a figura do plantador de cana foi cedendo lugar às atribuições do senhor de engenho, que significava além de possuir terras , rendas, dois imóveis e um título de nobreza. Um fato histórico que deve ser destacado em relação ao senhor de engenho, diz respeito à contínua relação de conflitos entre este e os comerciantes – os mascates – perdurando essa situação até o século XIX, quando os nobres da terra cederam lugar aos usineiros.
O Escravo.
Os primeiros portugueses que aportaram no País e, em particular, em Pernambuco eram em quantidade insuficiente para cuidar da terra e da produção de açúcar, valendo-se da mão-de-obra escrava indígena e, depois, africana. Nesse primeiro momento, dois problemas surgiram de imediato quanto à produção de açúcar: o primeiro dizia respeito à cultura do índio brasileiro, e o segundo a forte reação dos religiosos, contrários à escravidão indígena. A relação, portanto, entre os senhores de engenho e os indígenas foi sempre bastante conflituosa.
A quantidade de escravos índios em Pernambuco foi diminuindo na medida em que os senhores de engenho iam enriquecendo e importando, então, os escravos africanos, com maior intensidade a partir de meados do século XVI. Em Portugal, essa prática já era conhecida desde o século XV. A grande diferença entre os dois tipos de escravidão consistia em que os escravos em alhures atuavam em serviços domésticos, enquanto aqui no Brasil eram utilizados na produção de açúcar e outros afazeres no campo, até mesmo por algumas ordens religiosas como os carmelitas, proprietária do engenho Camassari, que continha escravos e escravas em sua moenda. Na verdade, o escravo foi determinante na produção de açúcar do país, bem como no enriquecimento do senhor de engenho e nas transformações sociais do Brasil colônia.
As construções do Engenho.
Verificamos na localização dos primeiros engenhos em Pernambuco a sua proximidade com os rios correntes e perenes. A água foi, na verdade, um fator determinante porque era uma excelente fonte de energia e também por onde se deveria transportar a produção. O tipo de solo também contribuiu para a sua implantação: o barro vermelho massapê.
Um engenho significava, até fins do século XIX, uma grande propriedade rural com a monocultura da cana-de-açúcar e uma sede constituída de outros edifícios com diversos fins: moita ou fábrica, onde se moia a cana e se cozinhava o seu caldo; casa de purgar, onde se alvejava o açúcar; outros edifícios ligados à produção de açúcar como as oficinas, as estribarias e os depósitos; a casa grande ou casa de vivenda, que era a moradia de senhor proprietário, a casa do administrador e a casa dos escravos, a senzala.
Em quase todos os engenhos encontrava-se uma capela, para o culto da religião católica entre o proprietário, os seus familiares, os trabalhadores livres e os escravos.Em um engenho, os edifícios mais importantes eram: a casa- grande, a fábrica, a capela e a senzala.
O nosso roteiro dos engenhos.
O primeiro engenho a ser visitado é o engenho Água Doce, do século XVIII, localizado no município de Vicência, é propriedade da família Andrade Lima. Em 1958, encerrou as suas atividades de moagens, quando as suas canas passaram a ser vendidas para as usinas. Em 2002, teve a sua moita restaurada, onde funcionava a moagem. No ano seguinte revigora-se, e coloca em funcionamento a moenda e o alambique, juntos com as serpentinas de cobre, caixas de separação de cachaça e barris de carvalho, iniciando uma produção de cachaça artesanal de primeira qualidade para o mercado interno. ( Apresentação do engenho Água Doce pelo professor Roberto Soares).
O segundo engenho é o Poço Cumprido, a 12 quilômetros de Vicência, no vale do Siriji, tem a sua casa-grande tombada pelo IPHAN, apresentando esta o detalhe de ser interligada à capela, do século XVIII. Em 1824, durante a Confederação do Equador, seviu de refúgio para o líder Frei Caneca, um dos senhores desta revolução. A Usina Laranjeiras, atual administradora do imóvel, disponibilizou quatro dos 900 ha do engenho para a atividade turística. Em lugar dos móveis encontramos alguns painéis com fotografias e textos que narram a história da exploração da cana-de-açúcar no Estado.
Ainda em Vicência, visitaremos a Usina Laranjeiras, com a sua bela capela dedicada a São Joaquim, do século XIX.
Em Nazaré da Mata é parada obrigatória a praça dos caboclos de lança, uma homenagem aos caboclos dançarinos do maracatu rural em sua terra natal. Estes caboclos, todos devidamente uniformizados, foram criados pelo artista Cavani Rosas. Tem-se registro de 19 maracatus nesta cidade.
O município de Tracunhaém é um dos mais novos de Pernambuco. Desmembrado do município de Nazaré da Mata, teve a criação da sua freguesia em 14 de abril de
1722. A criação do município e elevação à cidade deu-se em 20 de dezembro de 1963, sendo esta cidade o maior reduto da arte popular em barro, no Estado.
Agradecimentos aos nossos colaboradores.
Professor Roberto Soares
Maria Sônia da Conceição