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                                                       Mestre Ariano                                                      

 

Quando se trabalha com a cultura erudita ou dominante devemos perceber que existem inúmeros aspectos vernaculares infiltrados em nosso meio urbano. Percebemos pois, as linguagens, as alegorias, as cores, os ritmos, os ritos, as invenções, a geografia dos lugares, as crendices, as verdades e as fantasias que contribuem e preenchem o acervo da cultura erudita. Inúmeros foram os autores brasileiros que tem-nos legado as suas notáveis obras arraigadas de conteúdo desse imaginário popular, a exemplo de Ascenso Ferreira e Ariano Suassuna. São obras de dimensões surpreendentes que por terem uma narrativa popular trabalham com a dualidade reflexiva do presente ou do passado, do real e da fantasia, conteúdos singelos e, às vezes, ilógicos mas riquíssimos de uma liberdade poética que alicerçam a performance da cultura erudita.

Essa interação cultural realizada por escritores, poetas e artistas que utilizam um lirismo infantil de modismos com tradições e linguagem própria da sabedoria popular, resulta em notáveis criações, ricas de mitos e de literalidade criados pelo universo do povo, que revelam um conjunto harmônico de sociabilidades e de entonações entre as partes popular e erudita. Portanto, nesses conflitos e incidentes culturais não há classe dominante e nem discursos de poder, evidencia-se, sobretudo, a inovação da linguagem, os assuntos e novas construções.

Assim irradiava Mestre Ariano... Contemplou a essência da alma e da linguagem do povo, povo que ele conheceu e conviveu, refletindo a sua erudição com a fala humilde e com a sabedoria do homem da nossa terra. Era um descendente inquestionável de Cervantes, ou o próprio Dom Quixote em meio à multidão espantando a tristeza e contendo o desespero entre os seus versos e as suas histórias de românticas de cavaleiro medieval. Ariano materializou o invencionismo nordestino dando-lhe vida, cores e absolutamente verdade. Extraiu do jeito simples do nordestino a sua visão de mundo encantado e uma reflexão universal, duelando com as duas culturas irremediavelmente envolvidas em íntima reciprocidade de ritos, de ritmos e de ações. Foi um esteta e um pensador cuja obra compreendia uma reflexão sobre o pensamento humano. Era dotado de imensa lucidez e agraciado por Deus pela sua inigualável interpretação de mundo. Humildemente, em 1980, depois de ser seu aluno, eu tive a responsabilidade de substitui-lo em sua cadeira “Estética”, em nossa Universidade Federal de Pernambuco e, ao longo de todos esses anos, eu tenho honrado com muita dedicação, trabalho e afeto o seu nome e os seus ensinamentos.

Como gostava de se expressar Gonçalves Dias, Ariano encantou-se. Mas, sem muito esforço, ainda podemos admirá-lo cavalgando em nosso reino encantado entre Taperoá, São José de Belmonte e Casa Forte, entoando as suas prosas ... , “sou um homem de esperança. Sei que é para um futuro muito longínquo. Sonho com o dia em que o sol de Deus vai espalhar justiça pelo mundo todo”. Saudades do Mestre Ariano.

Edit by CarlosDantas

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