Um batuque doce sobre o Patrimônio Imaterial em Pernambuco
Na Universidade Federal de Pernambuco, em nossa Disciplina : Patrimônio Histórico e os Bens Materiais e Imateriais em Pernambuco e no Brasil, do Curso de Turismo, temos apresentado excelentes trabalhos sobre o Patrimônio Cultural existente no Estado, envolvendo e interagindo com os nossos alunos, dentre os quais relacionamos, o “Maracatu Nação” e o “Bolo Souza Leão”.
O Maracatu de Baque Virado ou Maracatu Nação é uma manifestação da cultura popular brasileira que surgiu durante o período escravocrata, entre os séculos XVII e XVIII, e que tem hoje em Pernambuco a sua maior representatividade. Cidades como o Recife, Olinda, Igarassu, Abreu e Lima, Itapissuma e Itamaracá encerram inúmeras concentrações do folguedo, que contempla uma mistura de culturas ameríndias, africanas e europeias. A origem do Maracatu no Brasil está relacionada às festas religiosas em honra dos Reis Magos introduzidas no País pelos missionários portugueses, como um elo de conversão dos elementos ou crendices indígenas e negros à fé cristã. Seria o Rei Negro (para os negros), o Rei Caboclo (para os caboclos) e o Rei Branco (como elemento de adoração para os portugueses).
No Brasil, a Constituição de 1988 define o patrimônio cultural como os bens de natureza material e imaterial, individualmente ou em conjunto, que se referem à identidade, à ação e à memória dos diferentes grupos. Estabelece, também, que sua preservação não é missão apenas da União, dos Estados e dos Municípios, mas também das comunidades e de cada cidadão. Portanto, o patrimônio cultural é fundamental para a memória e a identidade de um povo. O patrimônio imaterial, conforme a UNESCO, são as práticas, as representações, as expressões, os conhecimentos e técnicas – associados com os instrumentos, os objetos, os artefatos e os lugares culturais que lhes são agrupados – que as comunidades, os grupos e, em alguns casos, os indivíduos reconhecem como parte integrante de seu patrimônio cultural, constituindo-se, portanto, em nossa herança cultural. Assim, a defesa desse patrimônio quando é de interesse nacional (da União) é atribuída ao Instituto do Patrimônio Histórico e Artístico Nacional (IPHAN), e a nível estadual recai sobre a Fundação do Patrimônio Histórico e Artístico de Pernambuco (FUNDARPE).
Ainda em 2007, tiveram início os processos para a obtenção do título de patrimônio imaterial nacional para o Maracatu Nação, o Maracatu Rural, o Caboclinho e o Cavalo-Marinho, cujo farto material de pesquisa e documentação ficou a cargo da FUNDARPE. Transformado em dossiê cultural, coube ao ex-governador Eduardo Campos apresentá-lo ao Presidente do IPHAN, (na época) Luiz Fernando de Almeida, cujos processos já foram analisados e aprovados. No Brasil, já ostentam esse título a Feira de Caruaru, o Frevo, o Samba de roda do Recôncavo Baiano e o Círio de Nossa Senhora de Nazaré.
O Maracatu Nação vem, ao tempo dos últimos anos, ampliando a sua atuação no cenário
artístico e cultural do Estado com a participação em festivais ou preparando oficinas de aprendizagem, com o objetivo de universalizar o seu ritmo. Atualmente, existem grupos em diversos estados brasileiros, além de outros países como: França, Alemanha, Escócia e Japão. De percussão forte e ritmo frenético, incorpora uma dança rica em coreografias com devoção
aos cultos Afro-Brasileiros da linha Nagô, apresentando, ainda, uma forte ligação com o candomblé e o xangô, praticados em Pernambuco. Do Maracatu participam em torno de 50 figuras, como o porta-estandarte, o rei e a rainha, as damas do paço, as calungas e os batuqueiros. O porta-estandarte abre o cortejo e vem elegantemente vestido com trajes franceses, à maneira de Luiz XIV, carregando a bandeira do Maracatu. Em seguida, surgem as damas do paço sempre bem vestidas que trazem as calungas, pequenas bonecas que simbolizam divindades mortas. As danças executadas pelas damas do paço com as calungas têm caráter religioso e são realizadas nos adros das igrejas em devoção a Nossa Senhora do Rosário e a São Benedito. A homenagem aos Orixás, ocorre quando o Maracatu visita um terreiro. O cortejo continua com as damas de frente, com as baianas de cordão, que vestem roupas padronizadas e as baianas ricas todas de branco, que fazem alusão aos orixás. Segue a corte, conforme o ritual, com os convidados para a festa real como a Imperatriz, a Duquesa, a Consulesa, a Marquesa e a Condessa com os seus respectivos pares, em uma bela evolução coreográfica conduzindo o casal Real – as figuras centrais do cortejo – ricamente vestidos em veludos bordados, empunhando espadas e cetros reais. Ainda, uma espécie de dossel – um grande pálio – protege o caminho do Rei, conduzido por um escravo. Além desses, seguem os lampiões que são os escravos que carregam os abajures que iluminam o cortejo, os vassalos, os escravos com os seus instrumentos e as damas de honra que são as crianças do cortejo. A sua orquestra é formada inteiramente por instrumentos de percussão: o gonguê, o tarol, as caixas de guerra o ganzá e as alfaias.
A sua contribuição para a comunidade que lhe acolheu vai muito além dos seus ritos e batuques festivos, uma vez que reúne, agrega e oferece inúmeras propostas sócio-educativas, integrando os jovens em suas apresentações e distribuindo um diverso material didático para os mais variados cursos e/ou projetos que são ministrados pela comunidade, como o “Sementes da Nação”, para crianças e jovens, com o apoio também da iniciativa privada, com aulas de música, dança popular, canto, cidadania e educação artística. O Maracatu Nação é uma célula viva naquelas cidades, sobretudo em Olinda e no Recife no período momesco quando enfeitiça as cidades, materializando a sua cultura popular.
Na culinária nordestina o bolo, obrigatoriamente, tem um lugar significativo. É uma tradição longínqua, do tempo da colonização portuguesa. Muitas das receitas que nós conhecemos foram trazidas pelos portugueses e nos engenhos de açúcar recebiam adaptações e acréscimos, ganhando, desta forma, feições e gostos da nossa cultura. E Pernambuco, então, ganha destaque nesse quesito com o “Bolo de Rolo” e o “Bolo Souza Leão”, conhecidos e apreciados em todo o país.
O Bolo Souza Leão tem a sua história relacionada ao engenho São Bartolomeu – ainda na segunda metade do século XIX – no município de Jaboatão dos Guararapes, de propriedade do coronel Agostinho Bezerra da Silva Cavalcanti, cuja sua esposa a Senhora Rita de Cássia Souza Leão Bezerra Cavalcanti continha, dentre tantas receitas em sua mesa, a do Bolo Souza Leão.
Em meados do século XVIII, desembarca em Pernambuco o senhor Santo Coelho Souza de Lyon, cidadão francês vindo de Lisboa, que aqui chegara para tomar posse de uma sesmaria recebida em doação do governo português, criando o engenho Jenipapo provido de uma boa
morada com muitos quartos e salas, capela e senzala. Contraiu matrimônio com uma dama da sociedade local, deixando 15 filhos e muitas propriedades.
Com o passar dos anos, a receita original foi adquirindo novos ingredientes e cada ramo da família afirmava possuir uma receita ideal e verdadeira. Certamente, o sucesso do Bolo Souza Leão de Dona Rita de Cássia, deve-se ao fato de ter incorporado esses novos ingredientes da culinária local, como a massa de mandioca e o uso da manteiga de engenho (conhecida como a bagaceira), além de ter sido oferecido como uma iguaria pernambucana ao casal imperial, D. Pedro II e Teresa Cristina, quando de sua viagem ao Norte do País e passando por Pernambuco, no ano de 1859.
Para muitos historiadores e pesquisadores, tais modificações contribuíram amplamente para o desenvolvimento da gastronomia local, principalmente quanto às docerias e as famosas “sobremesas”, sendo considerado o Bolo mais aristocrático da cozinha pernambucana. Conforme uma tradição observada entre as famílias que residiam nos palacetes pernambucanos do século XIX, o referido Bolo deveria ser servido em pratos de fina porcelana ou de cristal.
Em 2008, reconhecendo a importância dessa iguaria para a culinária pernambucana, o ex-governador Eduardo Campos sanciona uma Lei de autoria do então deputado Pedro Eurico, dando ao Bolo Souza Leão o título de Patrimônio Cultural e Imaterial do Estado de Pernambuco.
Desta forma, em meio aos ritos mágicos do Maracatu e ao sabor da famosa iguaria, nossos alunos têm realizado excelentes apresentações, em plena sala de aula, proporcionando-nos momentos dos mais felizes em nossa docência.